Carta de Adeus
A luz passa pela cortina branca e se suaviza, se espalha em feixes pelo quarto e eu, penso em você. Penso no medo que eu sinto de me dividir, de mutilar a minha alma por alguém que nunca faria o mesmo. Passei a vida inteira fazendo algo por alguém, nunca por mim. Hoje decidi que chega.
Eu mudei tanto de lá pra cá, e você ainda aí como se o tempo nunca tivesse passado. Como se eu ainda fosse aquela garotinha ingênua que usava aquele batom vermelho sangue pra brincar de ser gente grande. É assim que me sinto quando estou com você, pequena e frágil.
Sinto um peso nos ombros, o incrível e insuportável peso da dúvida. Afinal, quem sou eu? Sinto essa força, pulsante, latente. É meu coração, me balançando em direção a mais um dia. Nem a maldade do tempo consegue me afastar de você e, assim, eu sempre volto ao mesmo lugar, ao ponto de me mutilar, te entregar uma fração de mim ou do que eu costumava ser até aquele momento.
E quando chega à noite e eu não consigo dormir, já não existem mais os feixes de luz suavizados pelas cortinas. Existe a escuridão e eu, eu me sinto vazia, escura no escuro. Faço rimas malfeitas, penso nas nossas palavras não ditas e tudo o que me machuca mais são as palavras que nós deixamos escapulir de proposito na tentativa de não ser vulnerável, de não deixar o outro ver o que realmente se quer dizer e, assim, perder a batalha. Você sempre ganha.
Eu sempre penso naquela sua frase que me quebrou inteira em mil pedaços que não se encaixam mais e você ganha a batalha, você é o mais forte, você continua inteiro. Depois daquela frase, eu olho meus olhos no espelho e não vejo mais nada, nada atrás deles. Você ganhou, parabéns.
