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Pobre menina


Ela sempre prezou por um certo estilo de vida. Queria viver em paz com o mundo, em paz com ela. Queria que a felicidade e a gentileza fossem prioridade, queria amar o mundo com todos os seus defeitos. Dentre todas as estações, ela queria sempre ser verão. E assim era, ela era verão. Sempre verão, sempre feliz, sempre gentil.

Acordou naquele dia achando que ele seria como qualquer outro, mal sabia ela que aquele dia seria o grande marco de sua breve história nessa Terra. Era um dia de sol, lá fora fazia calor e, por isso, ela saiu de casa mais feliz do que o costume, com seus óculos de sol e o vestido mais florido que encontrou na gaveta. Pobre menina.

Saiu de casa se sentindo leve, como se o vento fosse capaz de soprá-la para longe, para mais perto das nuvens. Um sorriso estampado no rosto deixava claro seu destino, naquele dia ela ia até ele. Seu ônibus passou. Ela correu. Não deu. Não parecia se importar, se sentou para esperar outro, ainda feliz. Ela parecia quente como esse dia de verão, sempre feliz e radiante. Outro ônibus passou, ela se foi. No caminho, olhava pela janela sem prestar atenção nos detalhes, nas pessoas que iam e vinham. Pensava apenas em estar ali, até porque com ele era sempre assim, ela não sentia a necessidade de muitas palavras, muitos tempos verbais. Importava o presente e nada mais. Meio do caminho, ela sente as borboletas em seu estômago, ri sozinha. Acha engraçado ainda sentir borboletas, o conhece há tanto tempo, mas ele ainda era interpretado por seu coração como amor novo, fresco, que ainda não se desfez. No fundo ela não queria que se desfizesse, nem pensava nessa possibilidade. Pobre menina.

Chegou. Ele estava sentado à sua espera, brincava com as chaves em sua mão. Ela sorriu. Ele não sorriu de volta, ela achou estranho. Quando estavam andando, ela tentou alcançar sua mão, ele a manteve distante. Assim como ela era quente como um dia de verão, ele parecia frio como um dia de outono. Seco, distante. Ela não disse nada. Pobre menina. Imaginava o que poderia ter acontecido, ele não era assim. Sem muitas palavras, eles continuam andando. O caminho nunca lhe pareceu tão longo e solitário como naquele dia.

Eles chegam e, logo depois que a porta se fecha atrás dele, ali, longe dos olhos alheios, ele se transforma como uma dama da noite, que desabrocha no escuro. Se torna quente, cuidado. Se torna abraço, carinho. Pobre menina, é tudo mentira. E ela sabe, consegue sentir. As cortinas fechadas ocultam os raios de sol, escurecem o quarto e ali, em meio à escuridão e com poucas palavras, ele se derrama nela. Não é ruim que ele se derrame, ela também se derrama, mas na sua imaginação ela não pensava que seria assim, falso. E foi assim que ele se derramou, frio e indiferente. Mesmo com a máscara de doçura que ele usa no escuro, ela podia sentir. Ela se sente objeto, sem calor, sem alma. Sugere um banho, na expectativa de que a água quente lave esse sentimento. Não funciona. Ao se derramar ele contaminou e esfriou seu calor, matou, uma a uma, as borboletas em seu estômago.

Foram as cortinas fechadas, a falta de luz, o frio. Ela é calor, não frio. Ele é frio. Pobre menina, todos esses anos e ela não imaginava o que estava por vir. Ela é chama, ele é balde de água fria. Água que apaga a chama. Chama que não acende mais. Ela vai embora quando já é noite. O sol já se foi, com ele o calor do dia. Se foi assim como o calor dela. Ela olha pela janela do ônibus sem prestar atenção nos detalhes, nas pessoas que iam e vinham, sem expectativa do que viria a seguir. Ele mudou a pobre menina, seu calor não volta nunca mais. Ela vai dormir na cama fria, vazia, espelho dela. Acorda com os raios de sol em seu rosto, porém não importa mais. Ela é outono, seca, distante. Pobre menina.

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Arquivo

Perfeccionista, Canceriana com ascendente em Libra e lua em Aquário, tímida, curiosa, orgulhosa até demais, instável, intuitiva, alegre, detalhista, escritora, fiel, dramática, misteriosa, cacheada, amante de fotografia, aspirante a poeta, leitora, prestativa, carionhosa, fofa, míope, simpática, cativante e eternamente responsável por tudo o que cativo.

Natane Simões

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Colaboradores

Lucas Passos

Detalhista, desinibido, introvertido, orgulhoso, impactante, sorridente e aprendiz de feiticeiro. Amante do impressionável e do esdrúxulo, mas também de pequenas e suaves histórias, dramático em certo nível e curioso.

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