Resquício do que sobrou de nós dois
Eu te vi de longe. Fiz questão de colocar os óculos naquela manhã, isso porque queria me lembrar de cada detalhe daquele dia da maneira menos míope possível.
Eu te vi de longe. Uma das mãos no bolso, a outra brindando com o isqueiro, o cabelo desarrumado pelo vento, o olhar impaciente na direção do relógio. Você fica lindo quando se irrita com o meu atraso, é nessa hora que aparece uma ruguinha no meio da tua testa e você fica com um ar de preocupado.
Eu te vi a cada passo mais perto. Mal sabia eu que pouco tempo depois tudo estaria diferente, nós nos tornaríamos apenas eu e você. Separados, mas ainda apaixonados. Ainda sinto raiva de mim mesma quando olho pra trás e observo todas as escolhas que fiz, todos os caminhos que peguei com tanta pressa. Tudo isso que acabou me levando pra cada vez mais longe de você.
Nessas noites de chuva costumo sonhar com as lembranças daquele dia. A felicidade que você tentou conter, mas não conseguiu, e eu vi brilhar pelo teu sorriso quando me viu chegar atrasada, aquele abraço demorado, a sua mão segurando a minha. O vento contra o seu isqueiro, o cheiro das árvores, aquela sua camiseta e a sua voz macia me chamando por aquele meu antigo apelido que ninguém, além de você, usa mais. O gato pintado que você queria levar para casa, você deitado no meu colo gargalhando das minhas piadas sem graça.
Nessas noites de chuva costumo acordar em meio as trovoadas com a lembrança de você me pedindo pra ficar depois daquela briga boba e eu, com todo o meu estúpido orgulho, indo embora mesmo assim. Quem diria que esse momento sem despedida seria o último de nós dois.
Agora, depois de ter acordado com esse último trovão, a minha verdadeira vontade é te ligar, ouvir sua voz, marcar um encontro. Mas é só pra te ver e me despedir de verdade, porque eu sei que muita água já rolou e eu e você nunca mais formaremos um nós. A questão é que eu preciso me despedir de você, te abraçar mais uma vez e aí ir embora, do jeito certo dessa vez.
